Dito por Margarida Carvalho
Texto:
Os navios existem, e existe o teu rosto
encostado ao
rosto dos navios.
Sem nenhum
destino flutuam nas cidades,
partem no
vento, regressam nos rios.
Na areia
branca, onde o tempo começa,
uma criança
passa de costas para o mar.
Anoitece. Não
há dúvida, anoitece.
É preciso
partir, é preciso ficar.
Os hospitais
cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra
quebram nas esquinas.
Amo-te... E
entram pela janela
as primeiras
luzes das colinas.
As palavras que
te envio são interditas
até, meu amor,
pelo halo das searas;
se alguma
regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas
suas curvas claras.
Dói-me esta
água, este ar que se respira,
dói-me esta
solidão de pedra escura,
estas mãos
nocturnas onde aperto
os meus dias
quebrados na cintura.
E a noite
cresce apaixonadamente.
Nas suas
margens nuas, desoladas,
cada homem tem
apenas para dar
um horizonte de
cidades bombardeadas.
Eugénio de Andrade, in
“Poesia e Prosa”
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