30/03/2013

.As palavras interditas (Eugénio de Andrade - Margarida Carvalho)

Dito por Margarida Carvalho
 
 
Texto:
 
Os navios existem, e existe o teu rosto
 encostado ao rosto dos navios.
 Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
 partem no vento, regressam nos rios.
 
 
 Na areia branca, onde o tempo começa,
 uma criança passa de costas para o mar.
 Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
 É preciso partir, é preciso ficar.
 
 Os hospitais cobrem-se de cinza.
 Ondas de sombra quebram nas esquinas.
 Amo-te... E entram pela janela
 as primeiras luzes das colinas.
 
 As palavras que te envio são interditas
 até, meu amor, pelo halo das searas;
 se alguma regressasse, nem já reconhecia
 o teu nome nas suas curvas claras.
 
 Dói-me esta água, este ar que se respira,
 dói-me esta solidão de pedra escura,
 estas mãos nocturnas onde aperto
 os meus dias quebrados na cintura.
 
 E a noite cresce apaixonadamente.
 Nas suas margens nuas, desoladas,
 cada homem tem apenas para dar
 um horizonte de cidades bombardeadas.
 
Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa”
 


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